terça-feira, 8 de setembro de 2009

Caro Leonardo III

Meu querido Leonardo:

Entristece-me saber-te nessa melancolia, enclausurado na escuridão dos teus aposentos. Reconforta-me no entanto saber que Dona Lurdes te anima o espírito com o seu vilino. Já lhe telegrafei pedindo-lhe que toque para ti o Concerto en D minor Op.47 de Schoenberg. Tenho a certeza que te elevará ao eter arrancando-te da letargia a que te devotas-te.

Os meus contactos de Shaftesbury Avenue dão-me a certeza quase absoluta de encontrar Raquel ainda no decorrer deste mês. Sabemos que depois de chegar a Londres em Abril, seguiu quase de imediato para Calais onde lhe perdemos o rasto. Rogo-te um pouco mais de paciência, Sir Robert Peel é um, se não o melhor, detective da Scotland Yard e a sua busca por Raquel é neste momento o âmago da sua própria vida. Nota que o faz não porque lho tenha pedido, mas por devoção a ti e à tua obra.

Continuamos por Mumbai, comprámos uma pequena casa no Monte Malabar que de certo te irá agradar, com as suas árvores e plantas constantemente balançando com a suave brisa que vem do mar.

Encontrei noutro dia no Zaveri, enquanto procurava "O Síndrome de Ulisses" de Bolaño, um belíssimo exemplar de "Fome" de Knut Hamsum que te envio junto com esta carta.

Maria recupera dia a dia a boa disposição de outrora, agora com ar de quem tem 80 solarengas Primaveras (sim, as flores de Nalini operam verdadeiros milagres) dedica-se quase de corpo e alma à dança. Tem passado as tardes com Jean Coralli coreografando "Le Diable Boiteux". Um delírio para todos os sentidos já de si inebriados com toda a beleza envolvente.

Esperamos ansiosamente uma visita tua, agora que finalmente organizamos a biblioteca.

Um grande abraço e uma nota de dólar rasgada no meio.

Sebastião Sarmento
16 de Junho de 1918