quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

E se tivéssemos uma segunda oportunidade o que faríamos com ela?


Primeiro acto

Tock, tock, tock…

-Minha senhora, posso entrar?
-Claro Abílio, entra, entra por favor. Já tratou de tudo o que lhe pedi?
-Sim, minha senhora…
-Logo à tarde terá os resultados que pediu
-Um por continente lembra-se?
-Sim minha senhora um por continente…
-Muito bem. Mais alguma coisa, que deva saber!?
-Minha senhora se me permitir, acha que é uma boa solução? Fazer assim este empreendimento desta forma em sorteio?
-Abílio, a minha decisão, está tomada e não há nada que me possa fazer mudar de ideias e como sabes não tenho herdeiros…
-Sim minha senhora, no entanto não pensa que é um pouco cedo para tratar do testamento? E desconhecidos e se…
-Abílio, não volto a falar neste assunto, o dinheiro é meu, e faço o que entender!
-Sim, minha senhora!

(o tempo passou)

Tock, tock, tock…

- Minha senhora, posso?
-Claro Abílio, entra, entra…
- Minha senhora o sorteio foi efectuado, e com sucesso!
-Ai sim? Mais detalhes por favor…
-Inicialmente fi-lo, em África depois como me pediu na Ásia, passando pela Europa e acabando na América (norte e sul) …
-E tem mais detalhes sobre as pessoas que foram escolhidas?
-Sim claro, como me pediu liguei para o país adoptivo de cada um, pedindo toda a informação, o mais detalhada possível sobre cada qual…


Segundo acto
Cena 1



- (o pobre acorda, olha para todos os lados, sem se perder porém em lado algum)
- (e num segundo tempo olha para a carta e só depois acorda o vizinho, sem maneiras e de modo bruto)

Pobre -Amigo, amigo, acorde…

Pobre – Acorde, por amor de Deus!
(talvez deva mover os seus braços em sinal de desespero)

Pobre - Onde estou? O que se passou? O que fazemos aqui?

Ambientalista – Mas o que vem a ser isto?

Ambientalista – Quem é você?

Pobre – Não sei, estava aqui, você ai, e os outros todos, neste tipo de sala… e… uma carta!
(olha para ela com muito receio, diríamos como alguém que olha para uma bomba e não sabe o que fazer a não ser chamar alguém!)

Ambientalista – Pois bem, e leu-a? O que vem nela?

Pobre – Não sei, amigo não sei… para ser sincero sempre tive mais medo de uma caneta e de uma folha de papel, do que das cheias ou do inverno…Por isso, digo-lhe, não sei nem ler nem desenhar letras.

- (os outros acordam, cada um ao seu ritmo e contemplam a cena)
-( o ambientalista, começa a ler a carta em voz baixa,)

Ambientalista – Venho por este meio…Multimilionária….Sorteio…herança …Herança???!!

Ambientalista – Não pode, não pode ser…

Pobre – Mas o que foi, (bate-lhe no braço impulsivamente)

Ambientalista – Essspera lllá homem… (levanta as duas mãos ao céu, e relé a carta)

( e espera-se alguns segundos em quanto relé)

Ambientalista – li, vi, reli, e revi e…não há duvida! Há apenas uma coisa a dizer …

Pobre –( mostra impaciência, emitindo um grunhido)

Ambi – Somos, as pessoas com mais sorte neste mundo!

Cena 2

(Seropositiva ri-se como se lhe tivessem contado um piada seca, um riso curto e sarcástico, que vai anunciar o monologo do pobre)

Pobre – O quê? As pessoas com mais sorte neste mundo? Isso não é possível…
A minha mãe, eu… a vida nunca nos deu nada, é verdade que tivemos saúde, e depois? Será que é isso, sorte? E quanto aos outros? Há condimentos dos quais nunca conheci o sabor, antes pescava uma hora e tinha peixe para três dias, hoje pesco seis horas e é apenas para uma refeição! Os ventos têm trazido cada vez mais areia, e por isso moro cada vez mais longe da praia…
E quanto às chuvas já nada sei, nada entendo, o meu avô falou-me em prados verdes na primavera, eu nem regando consigo sonhar em colher um quarto do que semeio!
Talvez a culpa seja minha…
Vivo apenas para estragar um pouco mais cada dia o meu pobre corpo…se isto é sorte dou-a, e vendo-a a quem a quiser.

Ambientalista – Então homem? Que cara é essa?

Pobre – Apenas estava a pensar…

Amb – Mas a pensar no quê? Ganhas-te dinheiro homem, não morreu ninguém…

Pobre –(Com um sorriso bastante céptico de quem recorda a vida e de tudo o que perdeu responde) Calha mesmo bem, o meu relógio ficou sem pilha a semana passada…

Amb – Estás a gozar comigo? Não?... Ganhas-te muito dinheiro mesmo!

Pobre – Muito dinheiro? Mas como?

Amb – Ganhas-te dinheiro suficiente, para deixares de pagar uma renda e passares a ser proprietário de uma mansão!
Ganhas-te dinheiro suficiente, para deixares de ter uma acção para poderes ser dono de uma empresa!
Ganhas-te dinheiro suficiente, para deixares de andar a pé, para passares a voar…

Pobre – Então é mesmo muito dinheiro…

Amb – Meu amigo, vais poder tornar a vida de todos os que gostas mais agradável…


Cena 3

Entra o psicólogo

Psi – E a de todos os que não gostas, mais insuportável!

Amb – de qualquer modo, cada um faz o que entender, pois seremos em breve ricos, e então se isto não é sorte, é felicidade…

Seropositiva –(Rir-se de novo) Meu amigo, estou as ver que não entende nada de sorte nem nada de felicidade…

Felicidade
Felicidade, é comemorar o ainda estar viva, pois só já há mesmo isso para comemorar…
É saber que se estou viva apenas por tomar continuadamente as drogas que me dão para sobreviver…

É saber que quando vou tirar sangue para análises vou enfrentar mais uma daquelas filas de dezenas e dezenas de utentes e que por essa mesma razão, não vou ficar à chuva ou ao sol…

Psi - De que mal sofres tu então?

Seropositiva - Sou apenas uma mulher que já está um terço morta, perguntas qual é o meu mal, a minha resposta é simples, sofro de não poder escapar ao fundo do poço em que me encontro, sem que haja alguém que me lance a corda salvadora. Um dia também eu deixarei estas filas, mas para ir buscar outras e como eu, milhares e milhares de infectados pelo HIV.

Pobre – HIV? Mas o que é?

Seropositiva – HIV? É a infelicidade crónica, HIV, é não poder comer o que se quer estando apenas condicionada a comer o que se pode, é viver continuadamente cansada, é estar constantemente preocupada com os outros, é temer que uma simples constipação seja na realidade uma pneumonia, é poder esquecer o contacto com os animais pois estes amigos proporcionam-me mal estar…
É estar sujeito a discriminações, a dores de cabeça constantes, olhares reprovadores, uns são surdos por interesse outros cegos por necessidade sem contar com os que se fazem burros por obrigação.

Pobre – ???

Psi – O que ela quer dizer é que o VIH é um vírus devastador e que, entrando no organismo, já nada é possível fazer para o remover. Ele invade todo o nosso corpo, destruindo as células que defendem o nosso organismo.
As pessoas infectadas por este, os chamados seropositivos, perdem a capacidade de se defender contra micróbios que dificilmente incomodariam uma pessoa saudável.
Chamam-se doenças oportunistas que agem como ladrões que se aproveitam destes desastres naturais para roubar a desgraça alheia. Uma simples constipação torna-se numa pneumonia, e esta, esta pode conduzir à morte (fim do acto, ao fechar das cortinas, se é que me entendes).


Pobre - …

Seropositiva - Querem saber porque ainda me prendo à vida?
É justamente a música persistente que vive nas minhas ideias, que vem acompanhada da morte, que me sorri como uma ama a uma criança que vai embalar …
Por isso luto pela vida, que é o mesmo que lutar por essa felicidade, será o ódio dos homens ou a vingança de Deus?
Apenas sei que é a evolução da ciência e da filosofia que me mantém acordada…pensava poder convencê-los pela razão, pelo interesse, pela dignidade, pela liberdade, pelo amor, humanidade…mas de nada serve! Pois essas palavras revelam-se mudas quando sou eu o orador.

Ambientalistas - realmente penso que não entendo nada de nada, mas isso também não importa, o que é certo é que temos o dinheiro…

Seropositiva – E isso resolve-me o que? Vais me dar dois terços de vida? Achas que…

Pobre – Espera! Esse dinheiro é suficiente para retirar os grãos de areia que separaram entretanto a minha casa do mar?

Ambientalista -?

Seropositiva -?

Psicóloga -?

Terceiro acto

“trimmmmmmmmmmmmm, trimmmmm”

Prof – meninos, para trabalhos de casa quero que realizem a actividade dois da pag 54
João – mas que raio de sonho…


Narrador - O fim não nos interessa, pois como todos sabemos não existem multimilionários sem herdeiros, nem tão pouco sorteios loucos…
Apenas existem personagens que morrem em cena,
Actores que voltam para casa,
Espectadores que batem palmas e sorriem
Enquanto os problemas persistem….
By:SrPróprio (foto www.olhares.com)