sexta-feira, 11 de abril de 2008

O Islão - Parte 2


A ascensão do Ocidente não tem paralelo na história mundial. A região da actual Europa Ocidental tinha sido considerada, durante séculos, como uma região atrasada, que se ligara à cultura greco-romana no Sul e a pouco e pouco desenvolvera a sua “versão” de cristandade e a sua forma de cultura agrária. A Europa Ocidental mostrava-se retardatária em relação ao império cristão de Bizâncio, onde o império romano se mantinha. Durante os séculos XII e XIII, os países da Europa Ocidental puseram-se mais ou menos a par das outras culturas centrais e, no século XVI, iniciaram um profundo processo de transformações que permitiram ao Ocidente "suplantar" o resto do mundo. Esse ascendente foi alcançado de forma brilhante e singular, sendo semelhante à emergência dos muçulmanos como grande potência mundial, durante os séculos VII e VIII. No entanto, os muçulmanos de então, não tinham conseguido uma tal hegemonia mundial.
Quando os Otomanos levaram a cabo a reorganização do exército em moldes ocidentais, na esperança de conter a ameaça da Europa, os seus esforços foram infrutíferos por serem demasiado superficiais. Para bater a Europa no seu terreno, uma sociedade agrária convencional teria de se transformar profundamente e recriar as suas diversas estruturas ou institutos sociais, económicos, educativos, religiosos, espirituais, políticos e intelectuais. Isso teria de ser feito celeremente na tentativa de travar a ameaça e expansão Ocidentais, algo que se avizinhava impossível, uma vez que a Europa tinha necessitado de quase três séculos para conseguir tal evolução.
A nova sociedade Europeia e das suas colónias americanas tinha uma base económica diferente, baseada na tecnologia e investimentos que permitiam reproduzir “infinitamente” os seus recursos, não sendo já afectados pelas diversas limitações próprias de uma sociedade agrária. No século XVI, realiza-se uma revolução científica e cultural na Europa, o Renascimento. Em todos os campos se verificaram avanços e as invenções e descobertas não cessavam, o progresso parecia irreversível. O investimento e inovação eram tamanhos que, no século XIX, surge a Revolução Industrial, de contributo incomensurável para o aumento da quase inabalável confiança ocidental, cada vez mais direccionada para o futuro.
A natureza progressista da sociedade moderna e de uma economia industrializada significava que tinham de se expandir continuamente. Eram necessários novos mercados quando os dos países de origem estivessem saturados. Como tal, os países da Europa Ocidental iniciam um processo de colonização em países fora da Europa moderna com o objectivo de incluir as novas colónias na sua rede de comércio. A colónia teria de ser transformada e modernizada segundo padrões europeus e a sua via financeira e comercial racionalizada e incluída no sistema ocidental. Tudo isto fazia com que os muçulmanos se sentissem duplamente ameaçados (domínio europeu e mutação e modernização em moldes ocidentais da sua sociedade).
Esta colonização foi sentida pelas colónias, ainda com sociedades marcadamente agrárias, como invasiva, perturbadora e estranha. A modernização foi, inevitavelmente, superficial nas colónias, pois era impossível implementar a alta velocidade um processo que tinha demorado cerca de três séculos a adquirir maturidade na Europa.
Os países europeus e os americanos conseguiram modernizar-se ao seu próprio ritmo e estabelecer os seus planos de “evolução”; já os países colonizados tiveram de modernizar-se muito mais rapidamente e foram forçados a conformar-se com os programas de outros (europeus). E, enquanto o processo de “evolução” dos países europeus e americanos subentendia os conceitos de inovação e autonomia, nos países em desenvolvimento, o processo de “evolução” ficou antes marcado por uma perda de autonomia nacional. Em vez de inovação, os países em desenvolvimento "modernizaram-se" através de uma "mímese imposta" pelo mundo Ocidental, o qual estava já num nível muito avançado.
O mundo islâmico foi profundamente convulsionado por este processo de modernização pouco tolerante e sustentável, nomeadamente, quanto às culturas locais. E, em vez de se afirmar como uma pretensa potência dominadora da civilização mundial, o Islão foi “diminuído” pelas potências ocidentais. Os muçulmanos foram desprezados (no amplo sentido do termo) pelos colonialistas, que estavam tão embrenhados no sistema civilizacional ocidental que se “arrepiavam” com o atraso, ineficiência, fatalismo e corrupção da sociedade muçulmana. Tinham portanto uma visão assaz simplificadora desta civilização (e de outras), pois baseada num ideal progressista (ainda muito impregnado em pleno século XXI), isto é, num ideal que simplesmente não tem em conta as diferenças conjunturais e contextualizantes que "criam" uma dada civilização; segundo os Europeus, a sociedade islâmica era profundamente "atrasada" (uma opinião que maior parte das pessoas hoje partilha e nem questiona) simplesmente porque era diferente da sociedade europeia, ora esta dificuldade em aceitar algo tão simples como a diferença de uma outra civilização não permitiu aos Europeus compreender o porquê dessa diferença e como tal, desrespeitá-la, impondo-lhe, através da empresa colonial, o já falado processo ocidentalizado de modernização. Foi precisamente para resistir a esse processo ocidentalizado imposto aos locais, que surge "aquilo" que enfadonhamente já foi falado vezes sem conta, mais uma vez nos media - o Fundamentalismo Islâmico.
A partir dos finais do século XIX, surgem diversos movimentos de libertação e independência das colónias árabes (a França tinha estendido o seu domínio a toda a zona magrebina; o Reino Unido tinha colonizado a Índia e o Egipto, só para referir alguns; a Itália tinha invadido a Líbia; entre outros exemplos), maioria alcançaria o sucesso durante a segunda vaga de descolonização, após a 2ª Grande Guerra.
Já durante os séculos XX e XXI, o papel da civilização islâmica no macro-sistema global foi sendo engrandecido (sobretudo monetariamente) devido à abundância de petróleo em diversos países árabes. Apesar da desenvoltura da solidariedade no mundo islâmico nas últimas décadas, devido à “nova vaga” de “intimidação” do mundo ocidental (as guerras do Afeganistão e do Iraque conduzidas pelos apelidados "infiéis"[EUA e UE sobretudo] e o conflito Israelo-Palestiniano), a unidade pan-islâmica tem encontrado diversos obstáculos, nomeadamente a permanência e aprofundamento de conflitos entre as duas principais facções do islamismo, os xiitas e os sunitas.
Quando já se fala em terceira Intifada e em Guerra Santa, conceito aliás "denegrido" e "reinventado" pelos media, reafirmo a necessidade de conhecer um pouco melhor o que é afinal o Islão, nem que de uma forma quase tópica, até porque o tempo não me permite muito mais e aquilo que ambiciono é que, pegando nestes "tópicos" - já por si algo elucidativos - e tomando-os como espécie de um "guia", explorem mais este tema sobre o qual há um vastissimo portfólio, mas nem todo ele é contido de informação, ou seja, explorem, mas sempre com um espírito crítico, pois parcialidade e "desinformação" é o que não falta (não só quanto a este tema).


(no próximo segmento sobre o Islão [Parte 3] tentarei expor, topicamente, alguns conceitos-base, alertando-vos desde já que quando tratamos de conceitos, ao contrário do que muitos pensam (e alguns se arrogam), a "doutrina" não é exacta; porém, procurarei expor aquilo que me parece ser mais coerente e de harmonia com a realidade. Até mais.)

Sem comentários: